O leitor deve pensar que é coisa de gaúcho. E realmente é, mas a história é única na aviação e deve ser contada. O fato é que um gaúcho lá de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, fez um feito inédito na história da aviação. Conseguiu laçar um avião (Paulistinha) em pleno voo. Não é anedota não. O fato, ocorrido em 1952, foi publicado em vários jornais, inclusive na revista Cruzeiro e na Time Magazine, edição de 11 de fevereiro de 1952. O jornalista que revelou a façanha ao mundo foi Claudio Candiota, na época, diretor do jornal de Santa Maria, e correspondente da revista O Cruzeiro.
O feito aconteceu no último domingo de janeiro de 52, em Tronqueiras, numa rica fazenda de Arroio do Só, município de Santa Maria. O peão Euclides Guterres, de 24 anos, estava no alto de uma coxilha tratando de novilha atacada de bicheira. Foi então que viu um aviãozinho (prefixo PP-HFP), pilotado por Irineu Noal, de 20 anos, dar voos rasantes sobre a fazenda do patrão. Euclides olhava alegre a brincadeira do jovem piloto de subir e descer nos céus. Mas, os voos foram ficando cada vez mais ousados e Guterres achou que o piloto o estava provocando. Não teve dúvidas, armou o laço trançado de couro cru de 13 braças e atirou em direção ao bico do teco-teco. Errou algumas vezes até que acertou o “focinho” do aviãozinho. 

Por estar preso no arreio sobre o cavalo, o laço, com o impacto, arrebentou na presilha e seguiu pendurado no avião, cujo motor chegou a ratear. A situação só não ficou pior para o piloto porque a hélice cortou o laço e o motor retomou a rotação. O piloto, assustado, tratou de pousar. Ainda na cabeceira da pista, retirou o laço e o escondeu no meio das macegas. Também viu que a hélice estava partida. 

Quando a diretoria do aeroclube viu o estrago na hélice, obrigou o piloto a contar a verdade. Diante do fato, os diretores do aeroclube decidiram cassar a licença do piloto Noal, conquistado há pouco tempo (tinha apenas 20 horas de voo). O piloto teve ainda que pagar uma multa pelo ato, considerado uma transgressão. Em 1999, quando com 68 anos, foi perguntado sobre o fato, que ficou conhecido em todo Rio Grande do Sul, mas não se sentiu muito à vontade para falar:

— Foi uma brincadeira de guri, disse.

Mesmo arredio, o piloto admitiu o perigo da manobra e desdenhou a habilidade do peão. “Aquele não laçava nem vaca. Foi uma sorte muito grande”, disse. 

Quanto ao habilidoso laçador Guterres, temendo ser preso, achando que tinha cometido um crime ao laçar o avião, ficou três dias escondido no meio do mato da fazenda. 

— Eu não fiz por maldade. Foi pura brincadeira. Para falar a verdade, não acreditava que pudesse pegar o aviãozinho pelas guampas num tiro de laço, disse. Seu feito admirável é contado até hoje nas estâncias gaúchas. Euclides Guterres morreu de leucemia em 1981.

Para quem não acredita na história, a hélice do Paulistinha está exposta na Ferragem da família Noal, em Santa Maria. Irineu Noal morreu em 2010, aos 79 anos. A Base Aérea de Santa Maria mantém em seu acervo vários jornais e revistas da época relatando a façanha de Euclides Guterres.

Publicado no jornal Correio Popular, dia 14/07/2012

2 Comentários

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  1. Evanildo da Silveira comentou:
    "Isso me lembra outra história ocorrida no Rio Grande, que não sei se é verdadeira. Pois diz que lá pela região de Barão de Cotegipe, há alguns anos - se minto é por boca de outros...rsrsrs - um sujeito moderninho resolveu fazer um voo de asa delta. Subiu num morro lá se foi, aproveitando as tal de corrente ascendente. Saiu faceiro no más a voar pelo ares claros de Cotegipe. Lá embaixo, um gauchão viu aquilo e não teve dúvida: pegou a espingarda e atirou. Um vizinho viu a cena e o estrondo do tirou e perguntou: "Matou o bicho, compadre?". E outro: "Se matei, eu não sei, mas que largou o homem largou". A la putcha...rsrsrs"

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  2. Pecus Bill Orleans comentou:
    "Um Gaúcho de Uruguaiana, peão macho, laçador dos melhores – nunca tinha visto nada além do que animais – foi à Cidade de Porto Alegre fazer seu alistamento Militar.
    No caminho, sozinho, pensativo, imaginava como seria a vida na Cidade grande.
    Não sabia ele que teria de passar por uma estrada de ferro.
    Rastreador, bom de vista, ficou intrigado quando viu os trilhos de Trem. Imaginou: Que tipo de animal deixou estás pegadas?
    Não demorou muito para dito descobrir. Ao longe, por detrás de uns montes, viu uma nuvem de fumaça negra. De repente, sem saber de onde veio, por trás de uma curva apareceu um baita Trem. Sem demonstrar nenhum medo, o peão se preparou para laçar aquela estranha criatura.
    Desatou seu laço de oito braças, estaqueou o “Pingo”, e esperou o bicho chegar mais perto.
    Nunca perdeu uma laçada na vida, não iria ser desta vez que ia errar.
    Quando o Trem passou próximo, o Gaudério atirou o laço.
    Ficou três meses no Hospital – na UTI – todo quebrado. Sinal que não errou a laçada.
    Quando lhe deram alta, não tendo o que fazer, foi dar uma volta pelo comércio da Cidade de Porto Alegre.
    Ao passar por uma loja de artigos infantil, deparou – na vitrine – com um trenzinho de brinquedo. Não teve dúvidas. Sacou de seu Colt – cavalinho – e descarregou a arma em cima do brinquedo.
    Perguntado por que tinha feito aquilo, disse:
    “Tem que matar enquanto é pequeno, depois que cresce não tem peão que segure”."

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